Conheci a Europa depois dos 60

O ano era 1951. Getúlio Vargas é proclamado Presidente eleito pelo Trubunal superior eleitoral, que assumiria em 31 de Janeiro como o décimo sétimo presidente do Brasil. Enquanto isso em Portugal, morria o então Presidente da República Óscar Carmona, que foi eleito ainda pela ditadura militar.

De volta ao Brasil, no dia 3 de Julho, Getúlio Vargas sanciona a Lei Afonso Arinos, proibindo a discriminação racial no Brasil. Em meados de Outrubro deste mesmo ano, nascia em Portugal, numa pequena aldeia pouco conhecida e sem qualquer estrutura, uma linda garotinha, filha de camponeses que como muitos que viviam por lá sofriam com a falta de recursos. Essa garotinha será a protagonista desta história, a minha história.

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Foto: Reprodução Google

O nome da nossa personagem é Odete, que saiu de Portugal num grande navio e viajou junto com a sua família por mais de 60 dias, enfrentando uma longa e árdua viagem na “última classe”. A intenção desta família era fugir do péssimo momento em que Portugal se encontrava, na esperança de construir uma vida melhor num país chamado Brasil. Naquela época, falava-se muito desse grande lugar através das cartas enviadas pelos “patrícios” que já estavam por lá, era um lugar próspero, com muitas oportunidades e com um grande número de imigrantes Portugueses.

Desde a minha infância que eu escuto as histórias daquela longa jornada, das condições precárias das acomodações naquele navio que os conduziram até a “terra que prometia esperança”. Depois de muitos anos conhecendo essa história, hoje eu me peguei pensando sobre como teria sido exatamente aquela viagem, pois uma coisa é você saber de uma história, outra bem diferente é você a tê-la vivido. Hoje o meu respeito só aumenta por tudo que eles enfrentaram.

 “Ficávamos em um compartilhamento, como se fosse um porão, a comida não era das melhores, tentava entender por que muitas pessoas falavam uma língua diferente da minha. Lembro que minha mãe não me deixava brincar com as outras crianças que ficavam lá “em cima”, ouvia como resposta que as minhas roupas não eram apropriadas, e eu me perguntava quais as roupas que seriam então? Minha mãe estava muito debilitada quando chegamos ao Rio de Janeiro, suas roupas praticamente caiam em seu corpo e mesmo assim ela sorria, dizia que estava mesmo precisando emagrecer” – Disse Odete.

O local escolhido pela família de portugueses era um subúrbio do Rio de Janeiro, a única certeza que eles tinham era que aquele lugar se tornaria no futuro o lar de todos e muitas histórias boas aconteceriam. E não é que eles estavam certos?

Foram mais de 40 anos, muito esforço a cada tijolo construído, ano após ano. A típica cadeira de praia na frente daquela casa de subúrbio sempre fez parte do maravilhoso cenário daquela família feliz,  e se ela pudesse falar, ahhhhh…

Os anos se passaram e muitas coisas boas aconteceram: Seus pais construíram com muito esforço e trabalho uma boa estrutura de casas e comércio, Odete se formou em Língua Portuguesa do Brasil, Inglês, Literatura, aprendeu Grego e Espanhol e também lecionou por muitos anos. Seu sotaque português se perdia a cada dia, até se tornar uma legítima carioca, com isso, as suas lembranças de Portugal estavam cada vez mais distante.

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Foto: Reprodução Google

Naquela mesma rua Odete conheceria um rapaz carioca e muito “boa praça”, ele cursava direito muma faculdade distante, mas trabalhava num armarinho que ficava ao lado de sua casa. Assim, Odete conheceu o grande amor da sua vida, se apaixonaram e alguns anos depois, casaram-se. Os filhos vieram em seguida e junto com eles muita luta pela frente, agora Odete junto com seu marido Roberto, tinham a responsabilidade de cuidar e proporcionar o melhor para os seus filhos, assim como os seus pais fizeram no passado.

O desejo de voltar a Portugal e conhecer a sua cidade natal era grande, mas o tempo passava e as promessas de uma viagem para a Europa ficavam mais distantes, pois priorizavam as necessidades dos seus herdeiros, além de proporcionar sempre uma boa educação para ambos. Quando Odete e Roberto passaram dos 60 anos, perceberam que quase 40 anos haviam se passado, agora os seus filhos estão formados, uma marvilhosa sensação de dever cumprido.

Em Outubro de 2015, compraram uma passagem para a Europa, eles desejavam muito conhecer aquela aldeia de Portugal onde Odete nasceu. Chegando em terras lusas, percebeu que muitas coisas haviam mudado, as lágrimas eram inevitáveis pois a cada porta que passava podia se recordar e finalmente sentir suas raízes, lembrava das histórias da sua família que hoje infelizmente não está mais presente para compartilhar esse momento. Depois de todos esses anos, nossa protagonista conseguiu conhecer a Europa, enxergou Portugal sob uma nova ótica. Existia em seu coração uma saudade e a certeza da escolha certa, na hora certa.

Juntos Odete e Roberto ficaram por duas maravilhosas semanas,  ficaram encantados com aquele pequeno vilarejo, um sentimento que ainda que eu tente descrever, não seria capaz de retratar, ninguém poderia ter a mesma dimensão do que eles. Eu pude acompanhar todos os dias dessa tão sonhada viagem, o estado de êxtase daquele casal, tudo o que eles encontravam e descobriam com aquela sensação do novo, era bom, tinha um gostinho de quero mais. A Europa é charmosa, encanta e dá vontade de nunca ir embora, porque o sentimento é calmo e fomenta novos sonhos.

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Foto: europamos

Odete e Roberto mal retornaram de Portugal e já compraram sua próxima passagem, dessa vez a contagem regressiva tem um sabor ainda mais especial e seus corações estão transbordando de emoção pela espera do próximo vôo, cada dia que passa é um dia a menos para a próxima viagem, pois não conseguem esperar de tanta ansiedade para ir até Dublin, não exatamente para conhecer essa linda cidade, pois essa viagem terá um sentido ímpar em suas vidas, depois de quase um ano, vão re-encontrar sua filha, genro e neto que hoje moram na Irlanda, e finalmente poder abraçar a sua família novamente.

Ah! A querida Odete é minha mãe amada, guerreira que amo tanto e que me deu além de toda força, a sua raíz portuguesa que estará sempre no meu coração.

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