Usar ou não usar armas?
Seria impossível fazer nosso trabalho se não estivéssemos armados”, disse à BBC o coronel Richie Johnson, do escritório do xerife de West Baton Rouge, na Louisiana (Estados Unidos).
“O público também espera que estejamos armados (…). Quando você responde a uma chamada te perguntam : ‘onde está sua submetralhadora’?”.
Mas não são todos os países do mundo em que os cidadãos esperam que a polícia chegue armada até os dentes.
Na Grã-Bretanha, na Irlanda, na Islândia, na Noruega, na Nova Zelândia e em uma série de nações insulares no Pacífico os policiais patrulham desarmados.
Apenas algumas unidades especiais usam armas de fogo – e apenas em determinadas situações.
E isso não faz com que os homicídios por arma de fogo se multipliquem, segundo estatísticas.
Porém, há quem não concorde com o método. Na Grã-Bretanha, sobretudo em Londres, a discussão sobre o uso de mais agentes armados está na ordem do dia.
Armas protegem?
O tema foi amplamente debatido na Grã-Bretanha em setembro de 2012, quando policiais femininas morreram em um tiroteio em Manchester, uma cidade ao noroeste da Inglaterra – que tem a segunda maior população do país.
As policiais Nicola Hughes e Fiona Bone respondiam a uma chamada de roubo e não portavam armas.
Diante disso, o cineasta Michael Winner – fundador do Police Memorial Trust, uma organização que ergue monumentos aos policiais britânicos mortos no cumprimento do dever – e Tony Rayner, ex-presidente da Federação Policial de Essex, pediram para que os policiais passassem a ser armados.
Mas apesar da perda dos agentes, o chefe de polícia da região metropolitana de Manchester, Peter Fahy, apoiou a política de policiais desarmados.
“Nós gostamos do estilo britânico”, disse. “É triste, mas sabemos pela experiência dos Estados Unidos e de outros países onde os oficiais andam armados que isso não significa que eles não são mortos”, disse.
Na Grã-Bretanha os policiais não andam totalmente desarmados. Eles usam cassetetes, spray de pimenta e algemas.
Mas se considerarem que isso não é suficiente, têm de pedir assistência de policiais com autorização para usar armas.
Estes recebem, desde 1991, um treinamento especial para poder usar o armamento e se organizam em unidades de resposta rápida.
De acordo com a última estatística do Ministério do Interior da Grã-Bretanha, em 31 de março de 2014 havia 5.875 policiais armados na Inglaterra e no País de Gales – 4% menos que no ano anterior e 15% menos que em 2009.
“Nos últimos seis anos tem havido uma tendência geral a uma baixa no número de oficiais de polícia com armas de fogo”, segundo um documento divulgado pela pasta.
Opinião dos policiais
Segundo levantamentos, os próprios policiais preferem esta política.
Uma pesquisa realizada pela Federação de Polícia da Grã-Bretanha em um universo de 47.328 membros constatou que 82% não desejavam andar armados.
Ao mesmo tempo, quase a metade deles afirmou que já esteve em “grave perigo” nos últimos três anos.
“Uma vez fui ferido em uma agressão. Meu colega e eu tememos por nossas vidas (…). Mas não acredito que uma pistola teria nos ajudado naquela situação”, disse à BBC em 2012 um policial que preferiu não se identificar.
“Para ser honesto, portar uma arma poderia provocar excesso de confiança em um oficial”.
Mas também há pesquisas de organizações independentes que sugerem que o desejo da população em geral poderia ser outro.
Em 2007, o centro de pesquisa britânico Policy Exchange determinou que 72% de 2.156 adultos entrevistados queriam ver mais policiais armados.
Tradição e economia
Seja como for, até agora as autoridades têm preferido não alterar uma medida que caracteriza a polícia britânica há 186 anos.
“Grande parte do que consideramos normal no trabalho policial foi estabelecido no começo do século 19”, disse à BBC Peter Waddington, professor de Política Social da Universidade de Wolverhampton, da Grã-Bretanha.
“Quando (em 1829, o ministro do Interior) Robert Peel formou a Polícia Metropolitana havia muito medo dos militares”, afirmou.
“Os cidadãos temiam que a nova força fosse repressiva”.
Segundo Waddington, eles eram chamados de bobbies, referência ao diminutivo de Robert Peel, Bob, e se vestiam de azul “em um esforço para distingui-los do Exército”.
O uniforme da infantaria era vermelho.
Mas os especialistas apontam outro argumento para não armar a polícia: o econômico.
Equipar todo o pessoal e oferecer treinamento seria proibitivo em tempos de cortes.
Irlanda
Na Irlanda, os policiais também não andam armados, exceto se fizerem parte de alguma unidade especial – como da força contraterrorista ou de equipes táticas.
Além disso, segundo a GunPolicy.org, uma página de internet que recolhe informações sobre uso de armas, a maioria dos policiais não recebeu treinamento do poder público para usar armas de fogo.
De acordo com o site, entre 20% e 25% dos agentes metropolitanos, conhecidos localmente como os Guardiães da Paz (An Garda Síochána, em irlandês) foram treinados.
Esses fatos influenciam outras estatísticas.
Mortos pela polícia
De acordo com o relatório Uniform Crime Report, do FBI, em 2013 a polícia dos Estados Unidos cometeu 461 “homicídios justificáveis”.
A polícia da Grã Bretanha não cometeu nenhum no período. Porém, em 2005, o assassinato equivocado do brasileiro Jean Charles de Menezes por policiais britânicos em uma estação de metrô repercutiu mundialmente.
Ele foi confundido com um suspeito de terrorismo e morto a tiros. Hoje, sua morte é considerada um símbolo da luta de ONGs de direitos humanos que cobram mais responsabilidade da polícia britânica em ações envolvendo o uso de agentes armados.
Recentemente, a Islândia reportou a primeira morte de um suspeito por policias na história moderna do país.
Um cidadão chamou a polícia para avisar que havia escutado disparos em um apartamento no subúrbio da capital Reykjavik.
Ao chegar ao local, os agentes encontraram um homem de 50 anos, armado. Os policiais tentaram lidar com ele usando gás lacrimogênio, mas dispararam para matar quando ele reagiu.
Em um gesto pouco comum em outros países, o comissário da Polícia Nacional, Haraldur Johannessen, descreveu o ocorrido como “um incidente sem precedentes” e imediatamente pediu perdão para a família do morto.
A Noruega é o quarto país europeu cujos policiais não portam armas. Porém, eles podem mantê-las no porta-luvas do carro durante patrulhamento.
No entanto, essa prática foi bastante discutida quando, em 2011, Anders Behring Breivik, de 32 anos, disparou indiscriminadamente e matou 77 pessoas em Utoya, ua ilha próxima à capital Oslo.
Proteção ilusória
Na Nova Zelândia também houve um debate considerável, em 2010, quando agentes morreram no cumprimento do dever.
“A experiência internacional demonstra que tornar as armas de fogo mais acessíveis aumenta certos riscos que são muito difíceis de controlar”, disse o então chefe de polícia Peter Marshall.
Dessa forma, a polícia da Nova Zelândia segue desarmada.
A lista dos países onde a polícia normal não porta armas se completa com outras nove ilhas do Pacífico: Tonga, Samoa, Tuvalu, Vanuatu, Kiribati, Niue, Fiji e as Ilhas Cook.
“Não tenho dúvidas de que portar pistolas comprometeria a capacidade de oficiais para fazer seu trabalho no dia a dia, porque quando você leva uma arma, sua principal preocupação é cuidar da arma”, escreveu um comissário no blog da Polícia da Nova Zelândia.
“Se isso fosse compensado com um aumento claro e demonstrável da proteção pessoal, então seria um preço a pagar. Mas a proteção que oferece uma arma de fogo é mais ilusória que real’.
No Brasil, policiais militares, civis e até guardas municipais de algumas cidades portam armas.
Em 2014, 3009 pessoas foram mortas por policiais, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pela organização Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No mesmo período, 398 policiais foram assassinados.
Fonte – BBC Brasil