Desde os primórdios da aviação comercial, as poltronas nas quais viajamos sempre tiveram mais ou menos as mesmas dimensões. Mas esses assentos, que têm uma largura que varia de 42 a 46 centímetros, parecem não ser suficientes para muitos passageiros.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade mais do que dobrou em todo o mundo desde 1980. Em 2014, mais de 1,9 bilhão de adultos estavam acima do peso, e mais de 600 milhões eram considerados obesos.
Trata-se de uma tendência que já levantou muita polêmica no mundo da aviação e que amplia o conflito entre as necessidades das companhias aéreas e os direitos básicos dos passageiros.
Em setembro, o advogado italiano Giorgio Destro entrou com um processo contra a Emirates alegando que seu conforto no voo foi prejudicado por um passageiro obeso sentado a seu lado.
Destro afirmou que não conseguiu se sentar adequadamente na poltrona designada para ele e acabou de pé ou sentado nas poltronas da tripulação durante a maior parte das nove horas de trajeto entre a Cidade do Cabo e Dubai.
A prova que ele apresentou para corroborar a ação judicial? Uma selfie que mostra o braço de seu companheiro de voo invadindo seu assento.
Direito ou obrigação?
Defensores dos direitos de passageiros argumentam que a maioria das aeronaves não tem capacidade para acomodar a variedade de tamanhos existentes no mundo, ao mesmo tempo em que todos temos o direito de voar.
“Baixinhos, altos, gordinhos, magrelos, com ombros largos, com quadris grandes, com pernas compridas… As pessoas têm corpos diferentes e é raro que uma poltrona da classe econômica ofereça uma experiência de voo agradável e confortável”, afirma Peggy Howell, vice-presidente e diretora de relações públicas da NAAFA, uma ONG dos EUA que defende os direitos e a qualidade de vida dos obesos.
“A responsabilidade de atender clientes de todos os tamanhos é o preço de se fazer negócios no mundo de hoje. E o custo não devia ser jogado nas costas de qualquer grupo de indivíduos”, diz ela.
Muitas companhias aéreas responderam à crescente epidemia de obesidade apenas insistindo para que passageiros com sobrepeso comprassem dois assentos para garantir sua segurança e conforto.
Às vezes, a empresa até oferece um reembolso se houver pelo menos uma poltrona vazia no voo.
Questão de números?
Recentemente nasceu uma nova taxa. A Samoa Air, que opera voos domésticos nas Ilhas Samoa, agora cobra os bilhetes por peso do passageiro (o que ficou conhecido como a “taxa de peso”).
Mas será que, além de todas as despesas extras que agora parecem surgir do nada – da cobrança por malas despachadas ao pagamento de comida e bebida a bordo -, não se trata de mais uma maneira de essas empresas lucrarem a nossas custas?
E será que essas taxas realmente refletem o peso de uma pessoa?
À primeira vista, a cobrança de uma taxa por peso corporal parece no mínimo discriminatória. Mas algumas pessoas argumentam que se trata de uma questão de números: quanto mais pesado o avião, mais combustível ele consome.
E as companhias aéreas estão sempre buscando maneiras de viajar mais leves.
Um indício disso vem dos próprios pilotos. Durante 75 anos, cada um tinha que carregar consigo manuais de voo que pesavam nada menos do que 18 kg. Agora, a maioria das companhias americanas investiu milhões de dólares convertendo esse material para o formato digital, podendo ser acessado por tablets.
“Entre o piloto e o copiloto, estamos falando de 36 quilos dispensados a cada decolagem”, conta Kurt Doerflein, mecânico de uma grande linha aérea americana. “Como hoje no mundo são realizados mais de 100 mil voos comerciais por dia, essa carga se acumula.”
A American Airlines afirma que a troca permitiu uma economia de US$ 1,2 milhão (R$ 4,1 milhões) por ano em gastos com combustíveis.
Gordinho e sem mala?
A Samoa Air insiste que não pretende discriminar nem causar embaraço a seus passageiros ao cobrar a “taxa de peso”.
A empresa oferece uma fileira de assentos XL (extra-grandes), que têm uma largura de 30 a 36 centímetros mais ampla do que a poltrona tradicional.
Chris Langton, CEO da companhia, defende o novo sistema de cobrança. “Tudo o que um avião tem para vender é o espaço dentro dele. As pessoas vão começar a admitir isso ao se perguntarem por que quem é mais leve tem que pagar por quem é mais pesado”, afirma.
Em outras palavras, a questão é: é justo que uma pessoa pesando 68 kg seja cobrada por sua mala de 23 kg, enquanto outra de 136 kg com uma bagagem de mão não paga nada extra?
“Como dizemos aqui, ‘1 quilo é igual a 1 quilo’. Não tem nada a ver com o conteúdo do peso”, diz o CEO.
Mas Peggy Howell, da NAAFA, argumenta que a obesidade é uma doença e que, por isso, obesos deveriam ter certos direitos garantidos.
Ela destaca que a Agência de Transporte do Canadá (CTA, na sigla em inglês) tratou da questão em 2009 e estabeleceu a regra “uma pessoa, um preço”, que cobre passageiros portadores de deficiências e distúrbios de saúde.
Isso inclui aqueles que são “clinicamente obesos” e não cabem em um único assento.
Custo do peso
O que ainda não está totalmente claro é em quanto o peso dos passageiros realmente aumenta os custos operacionais em comparação com outros fatores, como combustível, mão de obra, frete e manutenção da aeronave.
“Em termos numéricos, um passageiro mais gordo realmente aumenta o peso a bordo – elevando, assim, o consumo de combustível e os custos para a companhia aérea”, afirma Luke Jensen, pesquisador do Centro de Transporte Aéreo do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT, na sigla em inglês).
“Mas a diferença real varia a cada voo e é relativamente pequena. Em um voo normal de um Boeing 737 entre Boston e Denver, por exemplo, um aumento de 100 kg faria o consumo de combustível subir de US$ 3 a US$ 5”, calcula o especialista.
Para Jensen, é “justo” pesar cada passageiro e sua bagagem e cobrar dele o valor correspondente. Mas admite que na maioria dos voos domésticos nos Estados Unidos, essa diferença representaria menos de US$ 10.
“Como o peso corporal é algo determinado por fatores genéticos e por comportamento, o argumento puramente econômico perde força”, diz Jensen.
“A companhia aérea está vendendo uma poltrona em um espaço comunitário, não um espaço de carga. E isso implica que os bilhetes sejam oferecidos de maneira igual para todos os clientes, independentemente de sua raça ou gênero.”
O especialista aponta para uma exceção: quando a distribuição do peso na aeronave afeta a segurança do voo, principalmente em aviões menores.
Assentos ‘secretos’
No fim, a solução será começar do começo: mudando o design da própria cabine.
Algumas ideias já estão no papel. Em 2015, a empresa de tecnologia e engenharia alemã SII Deutschland SANTO Seat ganhou o Crystal Cabin Award na categoria “equipamento para o conforto do passageiro”.
Seu assento é 1,5 mais largo que a média, e seu objetivo é acomodar com segurança passageiros viajando com crianças de colo ou clientes acima do peso no fundo do avião, onde a fuselagem se estreita.
Uma outra possibilidade é o “banco reconfigurável”, criado por Sven Taubert e Florian Schmidt, da Airbus. Trata-se de um assento de espaço flexível que pode acomodar grupos grandes, como uma família, por exemplo.
Por enquanto, há uma solução surpreendentemente simples: certos pontos nos aviões que oferecem um pouco mais de espaço.
“Muitas pessoas não percebem, mas a largura das poltronas varia dependendo de sua localização na cabine”, revela Doerflein. “As primeiras e últimas cinco fileiras são bem mais estreitas. Os assentos mais largos estão no meio da aeronave.”
Fonte: BBC