Portugal, o novo quintal dos imigrantes brasileiros

Portugal

A crise política brasileira é o pano de fundo de uma nova vaga de imigrantes brasileiros em Portugal. O fenómeno começou há uns anos mas está a ganhar ritmo. A segurança está no topo dos motivos que levam os brasileiros a escolher viver em terras lusas. Mas os incentivos fiscais são “a cereja no topo do bolo”.

Há uma piada que anda a circular em São Paulo. Qual a melhor saída para o Brasil? Guarulhos! O maior aeroporto do país tem sido a porta de saída de muitos brasileiros com destino a Portugal. Só em 2015 e 2016 foram emitidos no Brasil quase 11 mil vistos consulares para cidadãos que pretendiam residir em Portugal. A crise política é só mais um motivo para ganhar coragem e partir.

O cardiologista Maurício Rocca está a preparar-se para se estabelecer em Portugal. Vive em São Caetano, uma cidade nos arredores de São Paulo. É casado com Eleine, uma médica endodontista e tem uma filha com 16 anos. O casal está só à espera que a filha Giovanna termine o 12.º ano de escolaridade, no final deste ano. Conhecem bem o país. Viveram em Setúbal entre 2000 e 2002. Ele veio trabalhar no departamento de medicina do trabalho da Autoeuropa. Giovanna nasceu em Portugal. Maurício tem uma vida financeiramente “confortável”. É responsável pelo serviço de cardiologia de um grande hospital. “Vivemos num bairro muito bom, mas num país completamente decadente”, afirma. E, tendo em conta os últimos desenvolvimentos políticos, já não quer ficar. “Ninguém acredita em mais nada”, diz ao Negócios. “As pessoas querem sair. É geral.” Maurício conhece vários médicos e enfermeiros brasileiros que estão a vir para Portugal. Uns em fim de carreira vêm passar aqui a reforma, outros estão no activo e querem prosseguir por cá o percurso profissional.

Mas a instabilidade política não é o argumento mais forte para partir. É sobretudo a insegurança crescente no país que está a trazer muitos brasileiros para Portugal. Que o diga quem vivia bem no centro do Rio de Janeiro. Os cariocas Catarina Negreiros e Pedro Araújo, ambos com 28 anos, chegaram definitivamente a Lisboa em Janeiro. Ela é formada em Microbiologia e o marido é designer. “A qualidade de vida aqui é muito melhor”, diz Catarina. Sente-se livre para andar de carro com os vidros abertos. “No Rio? De jeito nenhum”, afirma. Conta que foi assaltada várias vezes. A filha, Maria Luísa, tem um mês e meio. Nasceu em Portugal. Ela foi um dos motivos por que quis vir embora. “É uma sensação de insegurança o tempo todo. E criar os filhos assim é muito complicado.”

403
Total de vistos “gold” atribuídos a brasileiros desde 2013 até 30 de Abril de 2017. 74% foram emitidos desde 2016.

800
Média/mês de concessões da nacionalidade portuguesa a brasileiros em 2016, só no Consulado de São Paulo.

10.779
Número de vistos consulares emitidosem 2015 e 2016 no Brasil a cidadãos que pretendiam residir em Portugal.

Catarina era investigadora bolseira na Fundação Oswaldo Cruz, “o maior centro de pesquisa do Brasil”, explica. Um trabalho “muito desvalorizado” e que lhe ocupava muitas horas. Como queria ser mãe entendeu que teria de mudar de vida. Além disso, faltam oportunidades de trabalho na sua área no Brasil. É filha de pai português e vinha frequentemente a Portugal visitá-lo. O pai queria que ela trabalhasse na sua empresa de vinhos. Decidiu aceitar. Nos últimos três anos, o casal foi preparando a mudança. Pedro, entretanto, tornou-se sócio da empresa onde trabalhava e está em Lisboa para, no futuro, estabelecer aqui uma filial que trabalhe com clientes de toda a Europa. Neste momento, está a trabalhar à distância nos projectos brasileiros da empresa. Em Portugal, Catarina valoriza sobretudo “a segurança e a qualidade de vida de um modo geral”. Refere a título de exemplo que “lá o transporte é muito caro e muito mau” e “a saúde pública não existe”. O casal tem amigos que estão a pensar vir para Portugal e outros já cá estão. “Todos os que eu conheço que vieram estão a adorar e não querem voltar de jeito nenhum”, afirma.

Vaga número 4

Os investigadores estão atentos a esta nova vaga de imigração brasileira que se verifica há dois ou três anos. Mas ainda há poucos dados disponíveis para fazer uma análise profunda. O geógrafo Jorge Malheiros, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, tem-se debruçado sobre este fenómeno. Chama-lhe a “quarta vaga”, tendo como ponto de partida os finais do anos 1980. Esta nova fase “parece ser crescente e tem uma componente maior de pessoas com mais qualificações e mais capital financeiro”, diz o investigador. Para ele foi a conjugação de dois factores que originou esta recente vaga de imigrantes brasileiros. Por um lado “o deteriorar da situação económica do Brasil” e, por outro, “a melhoria da imagem de Portugal”. Jorge Malheiros está convencido de que “o fenómeno tem tendência a aumentar”, mas não será como há 15 anos. Nelson Camanho, professor assistente na Católica Lisbon School of Business & Economics, é brasileiro, luso-descendente, e está a viver em Portugal há cerca de quatro anos. “Além do Rio de Janeiro, Lisboa é a única cidade que considero como minha casa”, diz. O académico defende que não será a crise política recente que vai trazer mais brasileiros, “a não ser que ela cause uma recessão mais forte do que a que era esperada antes dos acontecimentos dos últimos meses”. Quem está a chegar, explica, “vem atrás de um ambiente de baixa criminalidade, pouca desigualdade e, ao mesmo tempo, de traços que lhe sejam familiares”. Continuam a chegar brasileiros de todas as classes sociais, diz, mas a proporção dos que pertencem à classe média e média-alta “em relação aos menos abastados aumentou”.

O que é que Portugal tem?

“No Brasil, é inegável um interesse crescente por Portugal, sobretudo na área do turismo”, diz o embaixador de Portugal no Brasil, Jorge Cabral. É o maior mercado emissor de turistas no nosso país, com mais de 500 mil visitantes por ano. Para isso contribuiu o facto de a TAP ter “mais de 60 ligações aéreas directas, semanais para uma dezena de cidades brasileiras”. Mas, refere, também é um facto que nos últimos anos há “uma tendência de crescimento gradual do número total de pedidos de vistos consulares emitidos no Brasil”. Em 2015 e 2016, foram emitidos perto de 11 mil a cidadãos brasileiros que pretendiam residir em território luso. E há ainda um outro dado relevante, diz o embaixador, Portugal “é o primeiro país de destino na Europa para a localização de centros de serviços de multinacionais brasileiras”. Quem chega fixa-se sobretudo nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, onde existem mais oportunidades profissionais.

O diplomata refere que a maioria são “altos quadros e trabalhadores qualificados, aposentados e um sempre elevado número de estudantes”. Muitos brasileiros têm ligações familiares a Portugal e “vão em busca das suas origens e raízes”. Esse é um dos motivos para requerer a nacionalidade portuguesa. Em 2016, só no Consulado de São Paulo, 800 cidadãos brasileiros receberam por mês a nacionalidade portuguesa. “Quando for aprovada na Assembleia da República a regulamentação da lei da nacionalidade, que vai estender aos netos o direito de nacionalidade, eu tenho a certeza absoluta de que isso vai ter um impacto enorme no Brasil”, afirma o cônsul-geral de Portugal em São Paulo, Paulo Lopes Lourenço. Nos últimos meses, houve um aumento significativo de pedidos de vistos de residência para empreendedores e reformados naquele consulado, revela. “Nunca tivemos tantos paulistas a viver e a trabalhar em Portugal”, diz Paulo Lopes Lourenço. E, refere o cônsul, a procura por investimento em Portugal “não pára de crescer”. “Eu perco conta dos eventos que há [em São Paulo] para investir no nosso país.”

As pessoas com poder económico, pela insegurança, perderam qualidade de vida no Brasil. “Não podem andar na rua, porque são sequestradas, roubadas”, diz o secretário-geral da APPII, por isso, a segurança é muito valorizada.

No mês passado, Hugo Santos Ferreira, secretário-geral da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), esteve naquela cidade numa conferência sobre o sector, direccionado a investidores. “Quando eles percebiam que estava um português na sala acercavam-se logo porque queriam saber mais de Portugal”, conta, “é uma cidade onde não se fala de outra coisa. Estão todos a querer vir para cá”. Os seus interlocutores eram pessoas da classe alta. Pessoas com poder económico mas que, pela insegurança, perderam qualidade de vida. “São pessoas que vivem de clube em clube, saem do seu condomínio entram no clube. Não podem andar na rua, porque são sequestradas, são roubadas”, por isso, a questão da segurança em Portugal é muito valorizada, mas “quando lhes dizemos que temos dois programas, um de captação de investimento estrangeiro, que é o “Golden Visa” e um com uma componente fiscal [Residente não Habitual], isso é a cereja no topo do bolo para eles decidirem vir”.

De acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 2016 e 2017 (até 30 de Abril) foram atribuídos 298 vistos “gold” a cidadãos brasileiros. Só nos quatro primeiros meses deste ano o número já superou o total do ano passado. O valor do investimento associado a esses 298 vistos “gold” rondou os 245 milhões de euros. O principal motivo da atribuição é a compra de imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros.

Na imobiliária Porta da Frente Christie’s, que trabalha no segmento mais alto do mercado na região de Lisboa e Cascais, os brasileiros são os principais clientes estrangeiros. De acordo com o director-geral da empresa, Rafael Ascenso, os clientes brasileiros compraram mais de 140 imóveis nos anos 2015 e 2016. Este é o mercado externo para onde a imobiliária mais recursos aloca. Nos últimos quatro anos realizou 14 eventos de promoção no Brasil. “Na próxima semana, temos um evento no Rio de Janeiro, para o qual já temos 300 inscritos”, revela.

Este novo fluxo de brasileiros que parte para o outro lado do Atlântico já foi motivo de reportagem na imprensa brasileira. Um artigo na Veja, publicado em Abril, apresentava vários casos de cariocas já instalados em Portugal. “Com sua mistura de cidade pacata, História, cosmopolitismo europeu e boa qualidade de vida, Lisboa, definitivamente, ganhou o coração dos cariocas”, escrevia a revista. Aquilo de que os entrevistados diziam sentir mais falta do Brasil, além da família e dos amigos, era o “chopinho” e a água de coco na praia. Pois. Isso não temos.

 

Fonte: jornaldenegocios.pt

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