Brexit aprovado pelo Parlamento Britânico. O que muda agora?

Brexit aprovado. O que muda agora

O Parlamento britânico aprovou na noite desta segunda-feira a lei que permitirá ao país se retirar do bloco da União Europeia (UE), cumprindo o que foi decidido em plebiscito em junho do ano passado.

Com o “sim” ao projeto de lei tanto na Câmara Baixa, quanto na Câmara dos Lordes, restará a aprovação da rainha para que as negociações de saída da UE possam ser iniciadas, cumprindo o chamado Artigo 50. Isso pode acontecer ainda na terça-feira, mas a expectativa é de que a primeira-ministra Theresa May comunique o bloco europeu sobre a retirada apenas no fim deste mês.

“O Parlamento apoiou hoje o governo em sua determinação de seguir com o processo de saída da UE”, disse o secretário responsável pelo Brexit, David Davis. “Agora nós estamos no limiar da negociação mais importante do nosso país em uma geração.”

Veja o que acontece a partir de agora.
O que é o “Artigo 50”?
O Artigo 50 é um plano para todo país que deseja sair da União Europeia. Ele foi criado como parte do Tratado de Lisboa, um acordo assinado por todos os membros da União Europeia, que virou lei em 2009. Antes dele, não havia um mecanismo formal para um país deixar o bloco.
O que diz ele?
Ele é relativamente curto – apenas cinco parágrafos – que basicamente determinam que todo membro da União Europeia que decidir sair dela precisa notificar o Conselho Europeu e negociar sua retirada com o bloco. O prazo para essa negociação é de dois anos, a não ser que todos os membros do bloco decidam estendê-lo. Além disso, o país que optar por sair não poderá participar das discussões internas da União Europeia a respeito de sua retirada.
O artigo também afirma que qualquer retirada precisa ser aprovada por uma “maioria qualificada” (72% dos membros remanescentes, representando 65% da população), mas também precisa do apoio dos membros do Parlamento Europeu.
O quinto parágrafo fala da possibilidade de um país querer retornar à UE depois de ter se retirado dela – isso seria tratado no Artigo 49.
Quando ele será acionado?
O Artigo 50 é acionado quando um país comunica à União Europeia seu desejo de retirada. No caso do Reino Unido, após a votação que decidiu pela saída do país do bloco, é o próprio governo quem decide quando irá notificar formalmente o Conselho Europeu sobre isso.
A primeira-ministra Theresa May anunciou inicialmente – ainda em outubro do ano passado – que seu plano era fazer isso até o fim de março deste ano. E reforçou que ela não queria apressar o processo de saída antes dos objetivos do Reino Unido terem sido alcançados.
Após ter passado pelo Parlamento, o projeto agora espera a aprovação da rainha e deve virar lei nos próximos dias.
O que acontece depois?
Essa seria uma possível linha do tempo do que ainda está por vir:

Até o fim de março: O Reino Unido aciona o Artigo 50.
Abril: O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, deve convocar uma conferência com os líderes dos países membros (sem o Reino Unido) para conceder à Comissão Europeia um mandato para negociar com o Reino Unido.
Depois da Conferência com os membros: A Comissão Europeia irá publicar as diretrizes da negociação baseado na orientação dada pelos líderes do bloco. A UE poderia dizer algo sobre possíveis negociações paralelas sobre um futuro acordo comercial UE-Reino Unido.
Abril e maio de 2017: As negociações começam.
23 de abril e 7 de maio: Eleições presidenciais na França.
24 de setembro: Eleições parlamentares na Alemanha.
Outono de 2017: O governo britânico deve apresentar a legislação para retirada da União Europeia e submeter todas as leis europeias existentes às leis britânicas.
Outubro de 2018: Fim das negociações (as negociações do Artigo 50 podem ser estendidas, mas isso precisa passar por aprovação de todos os membros do bloco).
Entre outubro de 2018 e março de 2019: O Parlamento Britânico, o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu votarão um acordo.
Março de 2019: O Reino Unido se retira da União Europeia.
O que estará envolvido nas negociações?
Isso ainda não está plenamente claro. O Reino Unido afirma que um possível acordo comercial deve fazer parte das negociações – membros da UE, porém, já sugeriram que o acordo de retirada e um possível acordo comercial devem ser tratados separadamente.
O Reino Unido disse que gostaria de um “acordo precoce” para garantir os direitos dos cidadãos europeus que vivem no país e dos britânicos que vivem fora.
Outras questões que deverão ser discutidas são, por exemplo, regras de segurança para o cruzamento de fronteiras; o “Mandado Europeu de Prisão”, que é um mandado de prisão válido em todos os países membros do bloco; a mudança de agências europeias que têm suas bases no Reino Unido; e a contribuição do Reino Unido para as aposentadorias de funcionários públicos da União Europeia – parte da chamada “conta do divórcio”, que muitos afirmam que poderá custar por volta de 50 bilhões de libras (mais de R$ 191 bilhões).

Antes do referendo de 2016, o governo divulgou um relatório sobre o processo de uma possível saída da União Europeia que sugeria as diversas áreas que deveriam ser cobertas nessas negociações. Elas incluíam:

  1. Fundos da União Europeia que deveriam ser destinados a regiões britânicas e agricultores.
  2. Cooperação na política externa, incluindo sanções.
  3. Acesso a agências europeias que prestam um papel importante na lei doméstica britânica – como a Agência Europeia de Medicina.
  4. Acordos de transição para o Acordo de Livre Comércio europeu com países subdesenvolvidos.
  5. Acesso para os cidadãos britânicos ao Cartão de Seguro Saúde Europeu.
  6. Os compromissos ambientais assumidos pelo Reino Unido como parte de várias convenções ambientais da ONU.

 
Quem participará da negociação?
A Comissão Europeia – o serviço civil da UE – criou uma força-tarefa liderada por Michel Barnier, que estará responsável por conduzir as negociações com o Reino Unido.

Do lado britânico, a responsabilidade geral das negociações do Brexit é da primeira-ministra, que é apoiada pelo “Departamento de Saída da União Europeia”, liderado por David Davis.
Quanto tempo isso irá durar?
O tempo normal permitido para as negociações do Artigo 50 são dois anos – e isso só poder ser mudado se o bloco decidir por unanimidade estender o prazo.
Mas é possível chegar a um acordo em dois anos? Ministros já garantiram publicamente que sim, mas outros acreditam que poderia levar uma década.
O ex-secretário de gabinete Sir Gus O’Donnell previu que levaria “pelo menos cinco anos” e o ex-ministro do Trabalho e membro da comissão europeia, Lord Mandelson – que era contra a retirada do país do bloco -, previu que ao menos “cinco ou 10 anos” seriam suficientes.
Se ninguém chegar a um acordo em dois anos e se nenhuma extensão do prazo for aprovada, o Reino Unido deixa a União Europeia automaticamente e todos os acordos em vigor até então – inclusive o acesso ao mercado único – deixam de ser aplicáveis ao Reino Unido. Nesse caso, presume-se que as relações comerciais do Reino Unido com a UE serão regidas pelas regras da Organização Mundial do Comércio.
O Parlamento terá voz nisso?
Enquanto o Artigo 50 diz que qualquer acordo precisará ser aprovado no Parlamento Europeu, ele não diz nada sobre o Parlamento do país que está se retirando do bloco ter uma voz também. Isso gerou algumas críticas dos deputados britânicos, alegando que os membros do Parlamento Europeu estariam melhor informados sobre as mudanças do que o próprio Parlamento britânico.

Depois de aparentar certa resistência para abrir votação no Parlamento sobre o acordo final, a primeira-ministra disse em janeiro que tanto a Câmara Baixa, quanto a Câmara dos Lordes, teriam voz. O Parlamento britânico também irá detalhar os trabalhos do governo no Brexit por meio de debates parlamentares, trabalhos de comissões selecionadas e votos na proposta de legislação.
O governo britânico ainda afirma que o Parlamento terá “um papel importante no Brexit e que “ministros vão continuar providenciando atualizações regulares para garantir que haverá um amplo debate nas duas casas, principalmente sobre as questões-chave a respeito da decisão da retirada da União Europeia”.
O Reino Unido pode mudar de ideia depois de ter acionado o Artigo 50?
O Artigo 50 nunca foi testado, então é difícil dizer, já que não há nada que fale especificamente disso. O autor dele, porém, Lord Kerrm afirmou à BBC em novembro passado que a decisão “não é irrevogável” e que “você pode mudar de ideia durante o processo”.
“Eles podem tentar extrair um preço político, mas legalmente eles não podem insistir que você saia”.
O presidente de Luxemburgo, Xavier Bttel, também sugeriu que a decisão poderia ser revertida. “Talvez durante o processo de divórcio eles vão dizer: ‘nós te amamos tanto que não conseguimos concluir o divórcio'”, afirmou ele ao jornal The Independent.
O Reino Unido continuará desempenhando o mesmo papel na UE enquanto as negociações do Brexit acontecem?
O país permanecerá um membro da União Europeia, ainda fará parte do mercado único e se submeterá às leis europeias, incluindo àquela sobre movimentação livre de pessoas. Mas o Reino Unido já renunciou da presidência rotativa do Conselho Europeu – que estava marcada para a segunda metade de 2017 – para se concentrar nas negociações do Brexit.
Legalmente, não há nada que proíba o Reino Unido de adotar as medidas da União Europeia que não são relacionadas com o Brexit durante o período de negociações. No entanto, o país não pode participar das decisões tomadas pelo conselho que estejam relacionadas com a sua retirada do bloco.
O Reino Unido pode negociar acordos comerciais com outros países agora?
Não. Enquanto o Reino Unido ainda é parte da União Europeia, ele não pode passar a negociar nenhum acordo comercial de maneira independente com outros países de fora do bloco – se assim o fizer, estará violando as regras da UE, da qual ainda faz parte.
Mas ainda pode existir alguma discussão geral sobre o comércio.

O Secretário de Acordos Comerciais Internacionais, Liam Fox, disse que “enquanto permanecemos na União Europeia, nós temos de seguir suas regras para negociar qualquer acordo comercial”, mas que o país ainda poderia “discutir impedimentos que nós poderíamos querer eliminar antes de acordos que nós podemos querer com outros países quando sairmos.”
No entanto, parceiros comerciais em potencial provavelmente irão querer saber os termos exatos da retirada da Grã-Bretanha da UE e do mercado único europeu antes de negociarem.

Como disse um representante comercial norte-americano: “Na prática, não é possível avançar de forma significativa negociações separadas de comércio e investimento com o Reino Unido até que algumas das questões básicas em torno das futuras relações UE-Reino Unido tenham sido elaboradas”.
Quais podem ser as consequências do Brexit para o próprio Reino Unido?
O resultado do plebiscito no ano passado deixou países dentro do próprio Reino Unido decepcionados. A Escócia, por exemplo, teve 66% de votos a favor da permanência na União Europeia e já estuda a possibilidade de fazer uma segunda consulta popular sobre a independência do Reino Unido para eventualmente poder continuar no bloco.
Segundo a primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon, a ideia é fazer um segundo referendo sobre o tema quando as negociações do Brexit estiverem perto de ser concluídas.

Sturgeon afirmou que quer fazer a votação entre setembro de 2018 e março de 2019.
Em 2014, o país realizou um plebiscito de independência em que 55% da população defendeu a manutenção da união estabelecida em 1707.
Agora, porém, seus líderes têm argumentos para forçar uma nova consulta.
Durante a campanha do plebiscito da UE, o Partido Nacional Escocês (SNP) alertou que a Escócia não aceitaria ser “removida à força” do bloco e que o processo poderia ressuscitar a causa separatista.

Fonte: BBC

Imagem: tbivision

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